Numa noite tempestuosa, a neblina cobria o vale de uma maneira monstruosa deixando somente o reflexo da lua permanecer por entre as árvores.
Um vulto se movia juntamente com as paisagens sombrias que percorriam o pequeno vale próximo a uma cidadezinha distante da capital.
Alguém que sabia por onde ia vasculhava as velhas árvores procurando algo, talvez se alguém fosse tolo o suficiente para adentrar na mata sombria descobriria que aquele vulto pertencia a uma bela jovem, uma bela jovem cruel.
Lilith caminhava como o vento, seus pés descalços voavam por cima das folhagens que caiam das árvores, nenhum ruído era ouvido pela dama negra.
Ela usava um vestido negro, os cabelos negros cobriam a face, porém sua pele era branca como a neve, os olhos azuis destacavam em seu semblante frio e desinteressado nas belezas da noite escura.
Provavelmente ela não perceberia que estava sendo vigiada naquele instante em que vagava solitária pelos arredores da vila procurando uma vitima para saciar sua fome devastadora. Uma presença masculina e divina a vigiava com certa ternura.
Lilith passou por um beco e avistou um mendigo que dormia entre as folhas de jornais que provavelmente fora-lhe difícil de conseguir para se esquentar durante aquela noite fria e tempestuosa.
Aproximou-se do rapaz e sua presença não foi notada pelo tal fulano. Ela observou seu sono profundo cheio de tormentos, aquele homem teria alcançado a meia idade, talvez a mulher o tivesse largado por causa do vício maldito do álcool que consumia nas ruas desertas durante a madrugada. Lilith balançou a cabeça negativamente como se quisesse afastar o mau humor de somente conseguir este tipo de presa, a cada século que se passava ter refeição digna estava fora de alcance. Beber do líquido rubro de um mendigo viciado no álcool era sua última opção. Ela sabia, porém, que os moradores da pequena vila estavam espertos e preparados contra o mal que rondava as noites. “Aquelas velhas fofoqueiras, foram elas que me difamaram, me viram uma única vez saciando minha fome, e para elas isto é motivo suficiente para alertar os vizinhos se precavendo de minha presença maldita”. – pensava ela com certa amargura.
O velho rabugento e bêbado abriu os olhos enquanto ela estava imersa em pensamentos argumentando a presença maligna que via em sua frente pegando-a de surpresa.
__ Quem diabos és tu ser maligno e demoníaco?
__ Como ousa? Com que direito o senhor tem de me julgar? Seres humanos! Sempre reclamam e julgam as pessoas sem antes se certificar primeiro.
__ Um ser como tu! Andando de mansinho com roupas negras. Sei quem és. Tu és aquele demônio que ronda nossa vila matando cruelmente os moradores decentes.
Lilith gargalhou por alguns instantes, para ela era ridículo ouvir tal coisa.
__ Morador decente? É isto que julga de ti mesmo? Um bêbado viciado que dorme no relento?
O senhor que até este momento estava sentado sobre as pernas levantou-se prontamente esforçando-se para ficar de pé. Lilith que observava com o brilho diferente nos olhos sorria maliciosamente enquanto ele tentava fugir.
__ Não vais conseguir mortal. Pode tentar, acho até mais divertido brincar com minha refeição antes de devorá-la.
__ Socorrooooooooooo!
Ao ver que o fôlego dele havia se recuperado e que o grito ensurdecedor do velho poderia chamar a atenção de algum vizinho bisbilhoteiro, Lilith avançou sobre ele tampando-lhe a boca e sussurrando em seu ouvido.
__ Posso facilitar para ti. Prometo que não irá doer, preciso de alimento como tu precisas de tua bebida maldita, não és tão diferente de mim, senhor.
Antes que mais uma palavra se proferisse dos lábios do velho, ela transformou-se no ser que era. Os caninos apareceram e seus olhos ficaram negros como a noite sombria. Lilith abriu a boca vermelha e alcançou a jugular o velho que tentava se debater em seus braços e ela fincou os dentes e absorveu em goles saciáveis o sangue vermelho que escorria pelo pescoço do senhor.
Serafim que até o momento espionava ela sem vestígios lamentou-se por ela ter cedido a sua fome. “Pensei que agüentaria um pouco mais”.
Serafim não era notado por ela, talvez pelos dois terem poderes sobrenaturais e não serem humanos. Tanto ela quanto ele conseguiam passar despercebido entre as pessoas.
Lilith largou o corpo do velho no chão, o corpo falecido fez um barulho oco. Ela segurou o rosto como se fosse rir, divertia-se com a situação, adorava matar os humanos e saciar sua sede.
Ela se afastou carregando o corpo inerte nas costas pretendia joga-lo no rio que passava por baixo da vila, sabia que este levaria o corpo para bem longe. Assim ela conseguiria mais um tempo sem rumores do ser maligno que as pessoas fantasiavam sobre ela.
Ao adentrar na mata que ficava próximo a vila ela livrou-se do corpo jogando-o ao longe para que este fosse levado pela correnteza, afastou-se e caminhou lentamente submissa aos seus pensamentos e emoções que escondia de todos os seres vivos.
Quando ela levantou a cabeça que permanecia baixa até então, viu o Serafim admirando-a com lágrimas aos olhos. O olhar penetrante dele causava certo incomodo, ela ficou imóvel, em silêncio. Os dois permaneceram assim por um tempo, uma eternidade para ela que nunca o tinha visto antes.
“O que este ser deseja? Porque me olha atentamente?” – ela fazia perguntas a si mesma como se pudesse responde-las. O rapaz era lindo a seus olhos. Loiro, cabelos compridos e lisos, os olhos azuis, um porte físico atraente. “Que belo rapaz!” – pensava a vampira noturna e antes que pudesse dar um passo avançando em sua direção o jovem abriu as asas que balançava ao vento, as asas brancas davam ao rapaz um aspecto angelical e divino. Lilith observou o jovem.
O rapaz de roupas brancas e asas de anjos aproximou-se dela, Lilith desviou o olhar e permaneceu olhando o horizonte vazio que se estendia entre eles.
__ Certamente não me conheces. Meu nome é Serafim, sou um anjo que veio a este vale descobrir o que rondava a região quando me deparei a ti, sua beleza se ofuscou como um cristal valioso do qual pretendia possuir, porém na primeira noite que fiquei a vigiar notei que era uma vampira e permaneci a seguir-te noite após noite, e tu não me notou, não percebeu minha presença até o momento presente.
Quando ele finalizou sua explicação ela demorou uns segundos a se recompor.
__ Como ousa ser divino e atrevido? Como ousa me seguir como se fosse uma criminosa fútil? Estes seres humanos tem prazer em matar a si mesmo, estou apenas ajudando para que este plano inútil se concretize por fim. És um tolo! Um tolo atraente, mas um tolo! Achas mesmo que tu vais ficar ai na minha frente dizendo que permanecia a vigiar-me?
Tenho coisas a fazer, mais importantes do que olhar nestes olhos envolventes, nunca mais ousa me dirigir a palavra inútil. Sabes muito bem que não podemos nos aproximar senão ambos morreremos. Tu por ser divino, eu por ser maligna, não aprendeste nada?
__ Sei que não podemos se aproximar. Por esta razão que lhe mostrei quem sou antes que tu vieste até mim.
__ O que desejas de minha pessoa?
__ Quero entender a razão, a razão por ter se tornado o que és hoje. Por que não luta contra? Pensei que conseguiria esta noite.
Lilith tentou dissimular a raiva que nutria em suas veias, como ele ousava julga-la desta maneira? Ele não sabia que era sua forma de sobrevivência?
__ Sabes a razão, não se faça de tolo, sei que és mais do que isto.
Antes que ela pudesse argumentar sua razoes, ele sumiu diante seus olhos levando consigo a luz que outrora estivera ali, Lilith continuou a caminhada. Será que tinha visto direito?
Um brilho diferente se formava nos olhos de Serafim, demonstravam sentimentos que ela desconhecia, quando era uma mortal ouviu falar de um amor intenso, porém nunca o obteve. Sempre invejou as pessoas por possuírem este sentimento forte por outra pessoa, e viu em um ser divino o que ela tanto buscou em seus mais terríveis sonhos atormentadores de uma existência inteira.
Lilith encostou-se numa pedra e desatou a chorar, suas lágrimas de sangue escorriam livremente pela face marcando por onde passavam. Seus tormentos a enlouqueciam, e mesmo que por instantes ela sabia que talvez pudesse amar, talvez este sentimento não lhe fora negado, precisava apenas deixar fluir.
__ Não! Serafim! Tu não vais me confundir, não vais me fazer desejar outro ser como amante. Ainda mais um ser proibido, um amor impossível! – Lilith gritava enquanto era banhada por suas próprias lágrimas que lavavam sua alma demoníaca. Sabia que Serafim esta por perto, e certamente ele estava observando-a de longe e desejando que este amor pudesse ser real. “Quem sabe um dia”. – pensou ele enquanto se afastava do ser mais cruel e dona de seu coração .
Continua...
2 comentários:
Denny o conto está simplismente...perfeito!
Adoro o modo como escreve, tão correto, tão claro...
A história é magnífica, lindíssima... Não é qualquer escritor que acerta ao escrever sobre um ser tão belo e ao mesmo tempo conhecido, como a Lilith.
Parabéns Denny, sempre nos surpreendendo com seus contos maravilhosos.
Estou louca para ver a continuação dessa história...
Um forte abraço...
A história é ralmente apaixonante. Cheia de possibilidades. Visualisei muitas possibilidades sobre os dois personagens.
Ainda mais a lilith.. que foi a primeira vampira que o mundo conheceu.Seu ódio pelos filhos de adão pode prejudicar muito este relacionamento que por vezes seria proiblido e considerado uma heresia.
Enfim.. um ótimo tema :-)
bjs
dri
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