terça-feira, 19 de agosto de 2008

Preço alto- por Camila Bernardini


"Qual o preço da imortalidade?"


Gabriela se encontrava um pouco embriagada, em uma das mãos uma garrafa de contine e na outra seu cigarro queimando. Estava sentada em uma das muitas praças de sua cidade, olhando as outras pessoas que riam, parecendo não ter problema nenhum. Ela queria se sentir feliz assim, mas fazia seis meses que ao conseguia. Desde que conhecerá Heitor, passava noites em claros. Os dois se encontravam algumas vezes, conversavam sempre. Ele correspondia ao amor dela. O que a tornava infeliz era o fato dele ser casado. Sabia que nunca poderia tê-lo realmente. A angústia no coração de Gabriela era forte, sempre que se pegava imaginando que não era ela que dormia todos os dias ao lado dele. Que talvez nem fosse ela que estivesse com ele nos momentos de sua glória e claro no de suas derrotas, não podia compartilhar com ele detalhes que acontecessem na madruga.
Sentia-se só, e não tinha muitas opções de com quem compartilhar esse sentimento, já que Heitor era uma pessoa bem conhecida, e ela não queria por em risco a reputação dele. Reputação sorriu com certa ironia, ao vir esse pensamento em sua cabeça; Será que para o amor também existem regras e etiquetas? Justo ela que não se importava com essas coisas, se via obrigada a esconder seus sentimentos. E sabia que eternamente o amaria calada, e que mesmo quando não estivessem mais nesse mundo, quando o que restará deles forem o pó dessa existência, mesmo assim ninguém saberia que existiu um amor por parte de ambos.
Levantou da praça para caminhar entre ruas escuras e desertas, onde apenas algumas pessoas amantes da noite como ela, se aventuravam. Sentia-se levemente embriaga, era como se flutuasse em vez de caminhar. Queria tanto que seu amor fosse imortal. Havia sim, apenas um jeito para que isso acontecesse, mas teria um risco muito grande apagar. Talvez Heitor nem ficasse feliz em saber que um elo de amor e imortalidade seria feito, talvez ele quisesse, como uma pessoa normal, viver e morrer. Morte, o ciclo inevitável da vida. Existem coisas tão belas e profundas que nunca deveriam morrer. Deveriam ser eternas para que todos conhecessem. Para que todos pudessem, saborear... Mas não, Gabriela tentou afastar esses pensamentos, afinal o amor por si só já era eterno não? È uma energia que sai de dentro de cada ser humano e compactua com o todo.
Para tentar se acalmar um pouco, amenizar a angústia que estava sentindo, resolveu ligar para Heitor. Ficaram alguns minutos conversando, mas quando desligaram cada um de certa maneira se sentiu mais angustiado, melancólico. Gabriela nem lembra como a conversa surgiu, o que sabia era que ele havia dito que odiava a si mesmo por sua idade, e que tinha medo de que a morte os separasse. Enquanto ele falava aquelas palavras tão mórbidas e que feriam o coração dela, algumas lágrimas escorriam por entre a face dela. Foi então que decidiu pagar um preço alto, para eternizar o amor, e eternizar a vida dos dois. Para que tivessem todo o tempo que quisesse, vivessem quantas épocas e eras pudessem, e para que todos conhecessem o amor deles, um amor capaz de mudar, moldar e transformar tudo ao redor.
Gabriela chegou a sua casa ansiosa, mesmo com medo de sua idéia decidiu executá-la, não podia por em risco um dia ver o fim da pessoa que mais amava. E acabaria se sentindo menos solitária, tendo com ele um pacto de vida eterna. Seria eternos um para o outro, por isso, ela esperaria o tempo que fosse necessário para tê-lo de uma vez por todas, para ser ela a dormir ao lado dele e passar noites em claro só para vê-lo dormir.
Desceu as escadas onde a levaria para o porão de sua casa, ali guardava todo o seu material mágico e era aonde executava a maioria de seus rituais e feitiços desde que descobriu seus poderes e de que era uma bruxa. Pegou em uma prateleira, seu caldeirão, alguns óleos e essências e seu tão preciso atame. Levou o caldeirão ao pequeno fogão que havia providenciado ali para essas ocasiões. Misturou os ingredientes que pegou, com um pouco de água. Esperou por cinco minutos e desligou do fogo. Foi ao centro do porão, onde já estava desenhado seu eterno pentagrama, acendeu em volta dele algumas velas vermelhas e pretas. Depois seu incensário que foi para o meio do pentagrama, onde queimava um incenso de rosas brancas. Finalmente jogou o conteúdo do caldeirão em volta dos contornos do pentagrama, e sentou-se no chão. Com os olhos fechados, mentalizou duas fogueiras queimando, e no meio dela surgiu Marlon, seu demônio pessoal. Pela primeira vez na vida, ele apareceu sorrindo. Um sorriso diabólico que assustou Gabriela.
- Veja querida, você me invocando em uma sexta-feira a noite, dia que costuma estar por aí se divertindo com seus amigos. O que deseja?
- Quero que torne eu e o Heitor em imortais!
Marlon riu, com sua gargalhada gélida, riso de ironia, que no fundo não exprime nenhuma felicidade. Seu destino era ser escravo de Gabriela, até o dia que ela mesma decidisse o libertar, e claro que não faria isso. Já que vivia invocando-o para pedir pequenos favores, conselhos ou mesmo para conversar. Os humanos eram mesmo insolentes, pensava ele. Não sabia que quanto mais invocavam demônios mais infelizes suas vidas se tornavam? E que mais escravos eles ficavam do poder, ambição e trevas? O pedido que aquela garota, agora fazia, exigiria um preço muito alto. Ele pediria sua liberdade e depois ainda se vingaria daquela estúpida.
- Claro minha querida. Para quando vai querer isso?
- Agora mesmo se possível.
- Dessa vez exigirei um preço alto, quero minha liberdade em troca.
Gabriela se espantou no começo com o pedido, mas assim que tivesse seu amado ao seu lado, não precisaria mais daquele diabrete infeliz.
- Tudo bem.
- Então, sente- se no meio do pentagrama e corte um pedaço do seu pulso.
Ela pegou seu atame e fez um leve ferimento em seu braço, onde filetes de sangue escorriam. O demônio ficou olhando extasiado. Materializou-se no porão, e encostou-se a ela, absorvendo o sangue com sua pele, um pouco escamosa e gélida, tão gélida que acabou causando repugnância em Gabriela. Ele conjurou algumas palavras estranhas. Logo todo o porão tremia, e vultos pretos corriam por todos os lados. Risos vindos do inferno, pessoas chorando, barulhos enlouquecedores completavam o cenário horripilante para quem não estivesse acostumado. Marlon então a beijou foi um beijo breve, mas que fez com que o corpo de Gabriela flutuasse alguns centímetros. Ela que estava em posição de lótus, divagar passou a ficar deitada, ainda no ar. Perdeu a consciência por momentos. Nesse tempo seu espírito vagava no mundo da morte e no da vida, as duas fontes a rejeitaram. Assim seu espírito voltou ao corpo, que estremeceu, como se estivesse levando pequenas descargas elétricas entre o terceiro olho, umbigo e coração. Após esses sintomas, seu corpo desceu de volta ao pentagrama. Parecia que tinha corrido uma maratona, tamanho o cansaço que sentia. Abriu seus olhos, encarando o grande espelho que tinha no porão. Parecia estar mais bonita, uma pele mais branca e alv. Nenhuma cor. Estranho, fora esse acontecimento não se sentia diferente. Nem imortal.
- Não se preocupe minha querida, agora você será um anjo das trevas. UM anjo noturno, belo e imortal.
- E Heitor?
- Estou indo agora mesmo cuidar dele, e depois não voltarei. Será minha liberdade.
- Sim...
Marlon então desapareceu diante os olhos dela.

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Heitor estava em seu quarto, na frente do seu computador, escrevendo mais um de seus contos, escrevia um novo conto para retratar seu medo da morte e de deixar Gabriela só. Assustou-se quando a luz de sua luminária apagou, foi tentar acender novamente, mas dessa vez foi o computador que desligou. Ele xingou, nem tinha salvado o que tinha escrito e como se esquecerá de ativar o recuperador automático do programa, provavelmente tinha perdido tudo. Logo voltou a sua concentração na luz, tentou acender a lâmpada do quarto e nada. È, talvez tivesse acabado a energia. Levantou de sua cadeira, foi procurar uma vela em sua cozinha. O corredor que tinha que percorrer para chegar até a cozinha parecia assustador sem iluminação nenhuma. Foi andando em passos lentos, com medo de naquela escuridão, acabar tropeçando em algo.
Foi então que sentiu algo passando por ele. Assustou-se, as passadas de seu coração aceleram forte. Será que alguém estaria assaltando sua casa. Pensou em chamar a policia, mas esquecera o celular no quarto. Voltou então até lá. Tateou com a mão a mesinha onde deixara seu celular. Discou os primeiros números, quando algo muito forte puxou o celular, esse indo parar de encontroa parede.
Heitor nem teve tempo de pensar, um vento frio cortava todo o seu corpo. Não sabia de onde vinha esse vento, já que todas as janelas e portas da casa estavam fechadas. Tentou ainda manter a calma, mas suas pernas visivelmente tremiam. Estava com medo. Foi então que choques elétricos foram recebidos por todo o seu corpo, e quando percebeu seus pés saiam do chão. Estava voando. Como era possível? A luz do seu quarto então se acendeu. Olhou para frente e quase gritou com o que viu. Uma mistura de ser humano com touro. Minotaurto? Mesmo em pânico gargalhou com seu pensamento idiota. Mitologia grega eram apenas mitos. Mas aquilo tudo que estava acontecendo já era surreal por que não?
_ Não Heitor... sou pior que isso.
- O que é então?
- Sua amada Gabriela quis tornar-se imortal, mas para isso sempre precisa sacrificar a vida da pessoa que quem escolheu ser imortal mais ama. Por isso vim, para que ela possa desfrutar de sua vida eterna.
- Ela não faria isso comigo.
- Realmente não, mas ela não sabia o preço alto que pagaria.
Marlon caminhou até onde o corpo de Heitor estava, e como esse continuava no ar o tornava vulnerável a qualquer ataque. Ele então tirou o atame que estava escondido dentro de uma bolsa que carregava. Era o atame de Gabriela. Vingança perfeita. Sorriu, antes de terminar o que faria. Com as duas mãos segurando firme o cabo daquela faca, cravou no coração de Heitor. Esse que logo, começou a agonizar de dor. Vendo sua luz de vida ir embora. Nem pode clamar por ela. Nada pode fazer.
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Quase no fim da madrugada Gabriela escutou batida em sua porta. Sorriu, achando ser seu amado, que vinha comemorar a nova “vida” dos dois. Ao abrir a porta, porém se assustou ao ver um homem uniformizado, com o emblema da policia.
- Posso ajudar?
- Você esta presa!
- Presa?
- O corpo do seu amante Heitor foi encontrado, e o instrumento que o matou possuía unicamente suas digitais.
- O Heitor esta morto?
Gabriela sem se importar com areação do policial sentou no chão, ali mesmo, na entrada de sua porta e começou a chorar. Foi só então que se lembrou da verdadeira condição de se tornar uma imortal. Chorou desesperada. O que seria de sua vida sem ele? Viver a eternidade, sabendo que era culpada pela única pessoa que amou. Nada adiantaria agora. Foi então que sorriu. Talvez pudesse trazê-lo de volta, mas teria que esperar exatamente cem anos para isso. O que seria cem anos, para uma vida eterna?
O policial algemou-a e conduziu até a viatura. Estranhou a reação daquela mulher, no começo até achou que ela seria mesmo inocente. Mas logo que passou o choro de breve momento, viu nos olhos dela um brilho e nos lábios um sorriso incontido. Decidindo-se assim levá-la. Gabriela ia absorta, apenas pensando nos cem anos que viveria se preparando para encontrar seu amor.

Um comentário:

Adriano Siqueira disse...

Olha... Mila... este conto de foi um dos mais assustadores que já li!
fiquei imaginado este demônio preso... com um pacto. Louco.. sedento para sair livre. Usando a mulher desperada em sua escolha que só era amar.
Contos assim é que prendem o leitor. O final inesperado trás a essências de um conto bem escrito.

Adorei a história!
bjs
dri