quarta-feira, 23 de julho de 2008

Viagem ao Inferno - po Malina



"Abandonando outra cena
Outra cidade, outro lugar
Às vezes não me sinto muito bem
Nervos à flor da pele
Não me diga, isto é nocivo para a minha saúde?
Pois fugindo eu não sairei dessa
Fora de controle, eu enceno o último papel
Não sei como fingir isto..."
( Motörhead )


Manhã de verão em Wilmont. Geralmente a época onde Wilmont ludibria as pessoas com seu "falso sol".
Abri os olhos, fiquei horas olhando pro teto, estava muito desanimada. Fiquei pensando na minha família, nos amigos distantes e até que pensei nos ex-namorados e tive um acesso de raiva e levantei da cama. Olhei no relógio e passava das duas horas da tarde,
"Nossa, estava mesmo cansada!" - Pensei.
Tomei um banho rápido e resolvi comprar umas cervejas, afinal era sábado e todo sábado eu bebia minhas cervejas sozinha até arrumar uma companhia que me motivasse a sair.

Desci e fui andando até a mercearia, passei antes na cafeteria e dei um olá para Beth, saí antes que ela pedisse para me acompanhar.

Entrei na mercearia, haviam três ou quatro pessoas escolhendo alguns produtos, fui direto para o freezer e comecei a pegar minhas cervejas.
Nem reparei que estava fumando até que o balconista gritou:

- Olha o cigarro!

Olhei para o lado com descaso e joguei meu cigarro no chão.

Acabei de pegar minhas cervejas e fui até o balcão.

- Só isso ? - Perguntou o balconista. - Ele era jovem, no máximo vinte dois anos, era ruivo e tinha umas sardas no rosto. Usava um boné vermelho que assentuava a cor dos seus cabelos.

- E um maço de cigarros por favor. - Respondi enquanto procurava o dinheiro no bolso do meu casaco.

- Vai beber isso tudo sozinha ? - Ele perguntou enquanto pegava as sacolas.

- Não, vou beber com seu pai. - Respondi séria.

Ele ficou parado boquiaberto e eu me virei para ir embora quando deparei com uma figura engraçada. Um rapaz de cabelo comprido preto, olhos extramamente verdes, estava olhando pra mim . Ele vestia uma jaqueta de couro e tinha um sorriso sarcástico que me fez lembrar do Jyrki do The 69 eyes, parecia bêbado e soltando uma gargalhada falou:

- Boa, muito boa.

Eu ri sem graça e concordei com a cabeça. Quando passei do lado dele ele continuou:

- Se o pai do rapaz não se importar gostaria de acompanhar vocês na cerveja.

Virei para ele e disse:

- E quantas você vai pagar ?

- Quantas for necessário. - Respondeu.

- Ótimo então.

Ele saiu sem pensar duas vezes e pegou mais duas caixas, encostou de lado no balcão e sorriu pra mim, pagou e veio em minha direção.

- Podemos ir á casa de um amigo meu, Mark, ele está dando uma festinha hoje. O que acha?

- Pode ser. - Respondi.

Ele sorriu e começou a andar. Quando chegamos na porta da mercearia ele olhou para trás e gritou para o balconista:

- Avisa seu pai que hoje ele vai ficar sozinho, chapeuzinho vermelho.

Deu outra gargalhada e saímos da loja.

Fomos andando pela rua e nos apresentamos. O nome dele era Ryan e estava mesmo bêbado. Falou que estava bebendo desde as dez horas da manhã e que só havia parado porque a cerveja tinha acabado. Me identifiquei com ele, lembrei de quando eu e meus amigos passávamos a tarde inteira bebendo e falando besteiras.
Logo chegamos na casa de Mark.

Entramos num quintal com uma grama um tanto descuidada, a casa era de madeira pintada de branco e o som estava ligado alto. Algumas roupas estavam no varal. A casa estava aberta mas não havia sinal de ninguém.
Entramos na casa, era bem escura. Paramos na sala e ele pegou as cervejas e levou para cozinha.

- Sente-se Malina, fique a vontade. - Falou.

- Obrigada Ryan - falei olhando para uma pilha de cd´s enquanto sentava no sofá - Posso escolher um cd ? - Perguntei.

Ele estava voltando da cozinha com duas cervejas na mão e um cigarro na boca, me deu uma cerveja e fez que sim com a cabeça.

- Como quiser. Escolhe aí.

- O que você acha de The 69 eyes, Jyrki ? - Falei ironicamente.

- Por mim tudo bem. - Falou com um sorriso largo no rosto.

Colocamos o cd e logo o amigo dele apareceu. Mark chegou com mais duas meninas com um visual gótico, elas pareciam não dormir há séculos, estavam com suas maquiagens borradas e os olhos pequenos que sumiam perto de suas olheiras.
Uma delas se jogou no sofá e ficou olhando para mim um bom tempo.

- Oi. - Eu disse sem qualquer interesse.

- Oi. - Ela respondeu igualmente.


Ficou meio deitada no sofá enquanto eu bebia minhas cervejas e conversava com o Ryan, Mark e a outra menina entraram para um dos quartos. Conversávamos sobre black metal quando ela pareceu acordar de sua "meditação".

- Você acredita no inferno ? - Perguntou.

- Não. - Respondi olhando para ela.

- Não terá mais essa opinião depois dessa tarde aqui. - Falou com desdém.

- Dificilmente. O que me faria mudar de opinião ? - Perguntei dando um gole na cerveja com uma expressão sarcástica no rosto.

Ela se sentou parecendo ressucitar, assumiu uma postura totalmente diferente. Pegou a bolsa e me mostrou um recipiente cheio de comprimidos. Passou uma das mãos na cabeça, jogando o cabelo para trás e falou:

- A passagem para o inferno, - falou mostrando o frasco - arrisca ?

- Arrisco, mas sem dúvida de que será uma "onda" no máximo. - Falei com deboche.

Ela abriu o recipiente e pegou dois dos comprimidos. Olhando para eles esticou a mão e disse:

- Esse - mostrou um - é sua passagem de ida. E esse - mostrou o outro - é sua passagem de volta.

Eu sorri e falei:

- Bela idéia. Impressionante.

- É necessário. Quando você estiver cansada ou com medo, tome o segundo comprimido, que lhe trará de volta. - Falou logo voltando para sua posição desajeitada no sofá.

"Que conversa de drogado" - pensei.

Ryan foi até a cozinha, pegou mais algumas cervejas e colocou sobre a mesa. Sorrindo falou:

- Boa viagem, Malina.

Eu abri uma cerveja e olhando para ele tomei o comprimido.

Ainda conversamos muito, Ryan falava sobre uma namorada que tinha se suicidado, falava que depois que a menina morreu ele nunca mais havia namorado. A gótica se chamava Rachel, tinha dezenove anos e venerava o Ian Curtis.
De repente comecei a me sentir enjoada. Levantei meio tonta e falei que precisava ir ao banheiro. Quando estava saindo da sala Rachel veio atrás de mim e segurou minha mão colocando o segundo comprimido nela.

- O trem está partindo querida, boa viagem. - Falou com um sorriso meigo.

* * * * * *


Entrei no banheiro e fechei a porta. Me olhei no espelho e vi que estava com a aparência de Rachel. Sentei embaixo da pia e senti minha cabeça caindo se encostando em meu ombro. Fechei os olhos por algum tempo, acho que adormeci pois quando abri e olhei pela janela, já era noite.

Levantei-me e debrucei na pia para lavar o rosto quando vi um vulto pela janela. Fui até a janela quando vi um homem mascarado, ele tinha uma arma e antes que eu pudesse correr ele a descarregou me enchendo de tiros.
Eu caí no chão, com muita dificuldade em respirar. Sentia cada tiro, nas costas, nos braços e nas pernas. Os ferimentos ardiam, doíam muito.
Olhei para janela com dificuldade mas ele havia fugido.
Virei-me ainda deitada e estiquei a mão para abrir a porta. Gritei por Rachel e por Ryan, mas eles não estavam.
Me levantei com dificuldade e segurando nas paredes, saí do banheiro. Andei quase me rastejando até o corredor até que vi a porta do quarto onde Mark havia entrado com a menina. Me apressei esperançosa mas chegando na porta vi que os dois jaziam na cama ensanguentada. Estava deitados, ambos de braços e olhos abertos.
Andei até a sala então, e vi Ryan caído do lado da mesa com um ferimento enorme nas costas.
Fui até á porta da entrada. Cheguei no quintal e parei, eu estava coberta de sangue. Chorava desesperadamente. Gritava por socorro mas não ouvia resposta.
Meu corpo amoleceu e eu desmaiei, fiquei ali caída na grama.

Acordei com um barulho estranho. Algo que parecia um rosnado de um cachorro.
Eu estava num corredor escuro, as paredes antigas, verde musgo. No final do corredor havia uma porta e muitos gemidos vinham dela.
Minha visão estava turva e quando pude enxergar melhor vi que havia mais alguém no corredor.
Me ajoelhei e fui engatinhando até o que pensei ser alguém, mas quando me aproximei vi que era um demônio. Ele tinha a forma humana, mas sua pele parecia um couro. Seus olhos grandes e negros fitavam alguns objetos no chão. Ele segurava algumas armas, facas, estiletes e punhais mas parecia ser cego - eu o via mas ele não conseguia me ver.
Me assustei com aquilo e corri até o final do corredor.
Estava totalmente escuro e então ouvi uma voz funesta:

- Bem vinda Malina. - Dizia aquela voz pertubadora.

- Quem está aí ? - Gritei.

- Seu mestre. Seu anjo ou demônio. Quem escolhe é você.

- Quero sair daqui.

- E vai. Mas você não vai querer sair sozinha não é ? Seus amigos estão aqui também. Você não os deixaria não é ?

- Onde estão ? - Perguntei.

Esperava uma resposta quando a última porta do corredor se abriu, e lá estavam eles. Presos, á correntes enormes. Eles gritavam e se retorciam, gritavam meu nome.

- As piores torturas acontecem ali Malina, - falou a voz do demônio - as piores. Cabe a você livrá-los dali.

- Fale o que tenho que fazer.

- Obedecer minhas ordens querida. Trabalhar para mim. - Respondeu.

Não houve mais diálogo e eu fechei meus olhos tentando acordar do que parecia um pesadelo. Quando abri novamente estava na minha cidade natal. As pessoas passavam por mim normalmente, meus ferimentos haviam se fechado.
Andei pela cidade e as imagens pareciam imagens de um sonho. As pessoas pareciam vultos, andavam sem expressões. Resolvi então seguir até onde era minha casa.

Cheguei em frente minha casa e vi que nada havia mudado. Subi as escadas. A porta da sala estava aberta. Entrei, não havia ninguém. De repente ouvi um choro e então corri até o quarto. Minha mãe estava sentada com uma amiga na cama. Ela chorava, desesperada. Percebi que lamentava minha morte. Quando tentei me aproximar ela me fitou com ódio. Seus olhos mostravam uma raiva que eu nunca tinha visto.
Fiquei desnorteada e comecei a chorar. Desci as escadas e fui parar na rua.

Vaguei pela cidade á procura de alguém conhecido, mas as pessoas eram todas estranhas para mim. Parei exausta em uma rua e me joguei na calçada, fechei os olhos. Confusa, pensando se aquilo era um sonho ou se era real. Pareci adormecer por alguns minutos até que acordei com a voz do demônio a me falar:

- Acorde novamente Malina.

Eu abri os olhos e me levantei, estava numa rua sem saída.
O demônio estava na minha frente, Seus olhos negros pareciam piedosos. Ele sorria e falava:

- Este, é o seu inferno.

Ele falou e logo esticou uma das mãos para mim sorrindo. Eu andei até ele e segurei sua mão enquanto ele com a outra mão fechava meus olhos com um movimento delicado deixando seus dedos escorregarem em meu rosto até chegar á minha boca. Então eu a abri e ele pôs o segundo comprimido nela.
Uma explosão pareceu acontecer dentro de mim, senti um prazer imenso. Meu sangue corria como fogo em minhas veias.

* * * * * *

Assim que abri os olhos novamente, tinha voltado ao banheiro. Ainda estava dia. Levantei-me e abri a porta com um certo medo.
Saí em direção a sala e no sofá Ryan estava transando com Rachel. Fiquei constragida e eles se afastaram.

- Desculpem-me. - Falei sem graça.

-Ora Malina, não há problema - disse Ryan - afinal, ela é minha namorada.

- Pensei que você tivesse dito que nunca mais teve namorada depois da menina que se suicidou - falei ainda confusa, sem sentir direito o que estava falando.

Ele sorriu e disse:

- E não mesmo.

Fiquei parada na sala sem ter o que dizer. Até que Rachel disse:

- Não nos vemos há tempos Malina, estou aqui só á trabalho. Se é que você me entende.

- Trabalho... Entendo. - Falei sem render o assunto.

Ryan indicou a cadeira para que eu sentasse. Fui até o sofá, peguei minha bolsa e falei que tinha que partir.

- Mas é cedo Malina - Protestou Rachel.

- Mas tenho que ir. - Respondi.

- Tudo bem, mas nos veremos ainda - Disse.

- Até mais queridos. - Falei enquanto saía.

Chegando perto do portão ouvi quando Ryan gritou lá de dentro:

- Volte sempre Malina.

Parei bruscamente e olhei para trás, continuei andando. Podia imginar o sorriso sarcástico em seu rosto, rindo da minha confusão momentânea.

Saí da casa e comecei a caminhar sem rumo pelas ruas. Andei até o parque público de Wilmont e sentei em um dos bancos. Passei a mão em meus braços e em minhas pernas procurando algum ferimento, não havia nada. Só um gosto terrível em minha boca, um gosto doce enjoativo. Percebi que precisava beber algo.
Acendi um cigarro e soltando a fumaça me levantei. Comecei caminhar á procura de um bar, no meio do caminho senti que ainda estava confusa.

"Wilmont... Quais segredos mais, irá me revelar?" - Pensei.




2 comentários:

Adriano Siqueira disse...

Wilmont é realmente um lugar que nos faz viajar em um caminho sem volta.
Quem lê vê que o que conheciamos jamais será visto como era antes.
Um suspense que deixa a gente curioso e com fome de leitura.

Muito bom Malina.

abraços
adriano siqueira

Lady Mila disse...

Parabéns Malina, o suspense é sua arma princiapl para tonrar seus contos sempre surpreendentes =)