domingo, 27 de julho de 2008

Bondade Divina - Por Denny Guinevere Du Coudray

__ Por que o Senhor deixou as coisas seguirem este rumo? Onde estava no momento em que perdi a fé? – Francis gritava no meio da avenida em plena madrugada, seu lamento era constante e cruel. Talvez ela pensasse que se sua voz alcançasse os céus ela teria alguma resposta do criador malvado e sem coração, ao qual ela não acreditava mais.

A chuva caia molhando seu corpo, Francis não se importava com mais nada além do tormento que sentia em sua alma.

Seu corpo estava pesado, mal conseguia andar. Francis deitou-se no meio da rua, se um carro passasse seria bom que não a enxergasse, desejava morrer e ser esquecida no tempo, em suas veias não existia mais vida, havia somente o vazio e a solidão que se acorrentava a ela em sua crueldade.

Permitiu que as gotas de chuva molhassem seu rosto como se com este gesto da natureza a água pudesse levar seus sentimentos mais dolorosos.

Depois de chorar compulsivamente, olhou o céu estrelado e sentiu uma sensação renovadora, algo dentro dela não queria morrer, pelo menos não daquela forma. Francis tentou levantar-se, mas foi impedida pela fraqueza. Há quanto tempo não se alimentava? Difícil dizer. Sabia somente que não tinha forças para levantar dali.

Virou-se e tentou agarrar-se no asfalto, não tinha como mover o corpo. Francis foi rastejando até a calçada, suas mãos estavam fracas e seu corpo não estava agüentando seu peso. Cravou as unhas no solo tentando assim conseguir chegar em seu destino, lamentou por ter sido tão fraca e inútil durante esses anos todos. Conforme se movia lentamente sentia em seus dedos o calor de seu sangue escorrer juntando-se ao solo concreto.

__ Não agüento mais! Não sei a razão de ainda existir esperanças em mim, sendo que tudo acabou! Senhor dono de todo universo mostre-me que ainda posso viver!

Francis colocou as mãos sobre o peito, seus dedos sangravam e ela arranhava sua pele tentando arrancar de dentro de si, um amor falso, volúvel e destruidor.

Ela ainda sentiu seu sangue percorrer sobre suas roupas antes de desfalecer caindo no chão.

__ Ela vai sobreviver?

__ Ainda não sei, perdeu muito sangue e esta fraca. Viu como os dedos dela estão desfigurados? Parece que ela cavou o concreto com as próprias mãos. Pobre moça, devia estar completamente desorientada.

__ Doutor, faça sua parte e eu cuido do resto. Sinto-me meio responsável por ela, depois que estiver com mais força e clareza, eu a encaminharei de volta para sua residência, seja ela qual for.

__ Darei alguns remédios e ela ficara de observação. Deixarei uma enfermeira para guiá-lo em sua nova tarefa.

Josefh acompanhou o doutor, quando retornou ao quarto de hospedes onde a moça misteriosa repousava notou nela uma beleza nunca vista antes. Apesar de estar mal cuidada, e pelos ferimentos dava para notar o quanto era bela. Ele sentou-se ao seu lado, fazia três dias que encontrara a moça em frente sua casa. Comovera-se com a situação dela.

Josefh era um viúvo rico, não tinha filhos e nenhum herdeiro. Desde que sua esposa morrera ele não se julgava feliz, sua felicidade havia morrido com Carla.

Josefh não tinha muitos amigos e vivia infeliz pelos cantos da mansão, bebia exageradamente já que não podia fazer mais nada.

Mas, desde que encontrou essa moça aparentemente jovem, não fizera outra coisa a não ser admira-la e cuidar para que tivesse o melhor tratamento possível.

Fazia três dias que não ingeria um gole que fosse de álcool, sua atenção era toda para ela que não demonstrava reagir aos medicamentos ou ao seu toque gentil na face enquanto dormia.

Foi somente depois de uma semana que a moça demonstrou tentar reagir ao tratamento, Josefh pulou de alegria ao ver o esforço dela em permanecer viva, certamente a moça tinha motivos de sobra para lutar pela vida que se desfazia em seu coração. Ela deveria ser realmente uma guerreira.

Levou ainda uns dois dias para ela conseguir recobrar os sentidos. Quando a jovem abriu os olhos, Josefh se encontrava ao lado dela ansioso para dar as boas vindas.

__ Graças a Deus! Fico contente em ver que esta recobrando os sentidos!

__ Quem é você? Onde estou?

__ Que falta de cortesia! Meu nome é Josefh, eu a encontrei desmaiada em frente a minha casa. Fiquei penalizado pelo seu estado ao qual se encontrava. A trouxe até minha casa e desde então venho cuidando de seu tratamento junto com especialistas e profissionais. Qual seu nome? O que houve?

__ Meu nome é Francis. Prefiro não lembrar o que houve. Agradeço os cuidados que teve comigo, mas acho que já dei trabalho demais. Não vale a pena se importar...

__ Não diga bobagens, Francis.

Antes que Josefh pudesse argumentar ela desmaiou novamente. O médico lhe dissera que era natural já que estava tão fraca e sendo tratada em casa. Ele não havia permitido a transferência dela para um hospital.

Francis foi demonstrando melhoras a cada dia que passava, os empregados da mansão notaram que Josefh estava mais agitado cantando pelos cantos e sorrindo para todos. Apesar dela não poder ainda sair da cama ele passou muito tempo junto a ela, Josefh contava histórias, brincava com as cartas e tentava anima-la por um tempo. Francis não deixava ele perguntar sobre o que acontecera aquela noite, não queria contar que fora enganada, rejeitada, violentada e largada sem família, sem ninguém.

A amizade entre os dois fluía naturalmente e Francis notou o olhar que ele direcionava a ela com certa ternura. Temia passar por tudo aquilo novamente.

Numa tarde ensolarada Josefh sentou-se com Francis para terem uma conversa séria. Ela assustou-se ao ouvir a maneira que ele falava com certa amargura.

__ Eu preciso saber o que houve Francis, preciso saber se tem família.

__ Josefh, não creio que seja uma história bonita de se ouvir...

__ Tente, quero que seja sincera comigo, meu tempo aqui não esta a meu favor. Logo vou partir desta terra, e você é a única pessoa que tenho.

__ Tenho trinta e três anos. Nunca desejei me casar, porém, me envolvi com um belo rapaz que me enganou dizendo-se solteiro. Ele nunca me apresentava as pessoas de sua classe. Eu temia que o motivo era por eu ser pobre. Numa noite o encontrei indo ao restaurante com uma moça mais jovem, ela era linda e eles sorriam abraçados, pelos gestos logo notei que eram íntimos. Foi ai que perdi a razão, entrei no restaurante a fim de tirar satisfações e saber o que estava acontecendo. Ele não quis que eu criasse um escândalo e tentou acalmar a situação, mas eu estava irredutível. Ele levou-me pelo braço até a rua de trás do restaurante e me contou que era casado com a tal moça, tinham um filho pequeno. Ele tentou argumentar dizendo-se apaixonado por mim, mas que não podia fazer nada pra mudar a situação e que preferia romper, logo notei sua intenção. A partir daquele momento eu comecei a seguir os dois, entrei numa depressão horrível. Em uma das vezes Carlo notou que eu o estava seguindo e me pegou desprevenida, me levou para um beco, me beijou os lábios contra minha vontade, rasgou minha roupa e tentou fazer amor comigo no local sujo em que estávamos, tentei inutilmente me afastar dele, mas ele começou a me bater usando uma violência bruta da qual eu desconhecia. Cada vez que eu gritava, ele me batia na face e gargalhava achando sua atitude maravilhosa. Em determinado momento eu vi um rapaz perto de onde estávamos, ele cumprimentou Carlo e se juntou no ato criminoso ao qual eu era submetida.

Francis deu uma pausa perdida no tempo, como se estivesse vivendo tudo novamente, as lágrimas desciam sobre sua face e Josefh ouvia tudo em silêncio. Quando se acalmou ela continuou:

__ Os dois se divertiram comigo enquanto eu implorava para que parassem. Eles só pararam quando eu desfaleci em seus braços. Depois quando acordei eu estava seminua, sangrando e sem forças. Percorri a cidade com dificuldade e me joguei ao chão na esperança de ser atropelada e morta no mesmo instante, mas uma força me fez reagir e tentei me levantar, não consegui devido á quantidade de sangue que havia perdido e pela falta de alimento no organismo. Então cravei minhas unhas no concreto tentando assim chegar á calçada, foi ai que eu desmaiei e fui socorrida pelo senhor e tratada com todo carinho.

Josefh chorava ao ouvir a história da menina parada a sua frente, ele queria ajuda-la e sabia o que fazer.

__ Tenho que lhe contar algo e depois quero fazer uma proposta. Quando eu a encontrei chamei o médico que é meu amigo e cuidou de minha esposa até sua morte. Ele examinou você na esperança de saber se sobreviveria. Ele fez de tudo para salva-la, e quando fez o exame de sangue constatou sua gravidez.

Francis abaixou os olhos lacrimejados e suspirou com tristeza.

__ Perdi meu filho? Depois do que fizeram não me surpreenderia em saber que ele não sobreviveu, ocultei essa parte da história porque acho triste lembrar de um filho que nunca irei conhecer.

__ Francis, você não perdeu a criança.

Francis levantou-se ainda tonta e agarrou as vestes de Josefh com olhos arregalados.

__ Você esta mentindo!

__ Não estou. Por isso rezei tanto para que sobrevivesse.

__ O que farei agora? Não tenho como sustenta-lo.

__ Está é a proposta que quero fazer. Não tenho muito tempo de vida e sou rico, não tenho filhos, nem parentes. Se você se casar comigo, assim que eu morrer poderá herdar esta mansão, o dinheiro que está guardado e tudo que tenho. Você e seu filho não precisarão se preocupar com mais nada.

__ Não posso aceitar Josefh, seria abusar demais da sua bondade, eu não mereço isso. Fui tão errada quanto aqueles que me fizeram mal.

__ Espero que você aceite, já preparei tudo e o padre virá amanhã. Pretendo cuidar de tudo rapidamente.

Francis abraçou Josefh com carinho e beijou seus lábios.

__ Então, como retribuição deixe-me ser tua. Se vou ser sua mulher quero que seja por inteira, sinto um carinho enorme por você.

Josefh retribuiu o beijo, desde que ela chegara em sua casa havia notado seus instintos masculinos aguçados, mesmo tendo certeza de que já não mais os possuía.

Josefh e Francis se casaram no dia seguinte aproveitando a noite de núpcias que fora proveitosa para ambos, Francis nunca havia sido amada daquele jeito e entregava-se a ele como se fosse a primeira vez, apesar de sua idade Josefh demonstrava ser bem experiente e ativo em suas atitudes. Depois de dezoito meses ele veio a falecer.

Todos que circulavam o caixão numa tentativa de despedir-se dele por pura conveniência notava seu sorriso nos lábios se perguntando o motivo da felicidade estampada em sua face mesmo depois da morte.

Francis seguiu sua vida. Agradecia a Deus todos os dias por ter colocado Josefh em seu caminho e lamentava a falta que sentia dele. Por certo eles foram felizes no tempo em que permaneceram juntos. O filho deles estava com quase um ano e Francis sentia-se feliz por ter sido amada de verdade por um homem real.

Francis havia dado seu amor em troca da felicidade eterna.

3 comentários:

Camila Bernardini disse...

Muito sofrido...mas belo!
parabéns linda !

Camila Bernardini disse...

Muito sofrido...mas belo!
parabéns linda !

Adriano Siqueira disse...

A realidade nua a crua coloca em linhas para que os leitores saibam que nem tudo na vida é só fantasia.

Parabéns pelo texto Denny; Sinto que vem mais por ai pois você deve ter muito a dizer.

abraços
adriano siqueira